Sem tantos pontos fora da curva

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A imprensa e as torcidas deram repercussão política conveniente a cada parte que lhes aprouve, respectivamente, no depoimento prestado pelo ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro, na quarta-feira (10).

Nada mais eventual, pois os processos aos quais Lula responde, independentemente do mérito das acusações, tem peso específico político repercussivo maior que judicial.

Isso é tanto verdade que o depoimento de Lula a Moro, no estrito intervalo da audiência - salvo minutos de desabafos de Lula, com louvável parcimônia ouvidos por Moro -, foi tão normal quanto qualquer outra audiência da espécie no Brasil, ficando o propalado embate do século entre um e outro tão somente nas mentes enfeitiçadas de cada torcida e na saga da imprensa em transformar Moro no paladino da justiça e Lula no rei do cangaço da política nacional.

A audiência transcorreu sem carenagem de mudança de convencimentos. O Ministério Público e Sérgio Moro seguem achando que Lula é culpado e esse segue entendo que não há salvação para ele na área jurídica, restando-lhe a política como arrego e almejada redenção.

Antes porque, no processo específico, por exemplo, e isso acontecerá em todos os demais, tornou-se mera locução ser Lula proprietário de fato, ou não, de um tríplex em Guarujá. O que interessa ao status quo judicial é, grosso modo, fazer com Lula o que foi feito com Collor: já que não conseguiam provar que ele lavou 5 milhões de dólares na tal Operação Uruguai, defenestram-lhe por conta de um Fiat Elba.

Nesse longo intermezzo, é preciso observar que a lógica do processo penal vigente no Brasil há muito foi virada de ponta-cabeça quando se trata de julgar políticos.

Cabe ao Ministério Público acusar e provar, indubitavelmente, o que alega. E só deveria o juiz condenar se, ao final, não restasse dúvida do crime e da sua autoria, pois que é matriz universal do Direito Penal o princípio do in dubio pro reo.

Mas virou-se isso do avesso: o acusador prepara a peça, tipifica as condutas, são todas elas tomadas como verdadeiras e o acusado que se vire para provar que é inocente. E em se tratando de políticos, se restar alguma dúvida sobre a culpabilidade, o juiz condena assim mesmo, porque em algum momento do folhetim tornou-se fato que políticos são culpados até que provem o contrário.

Como Lula não conseguirá provar que é inocente, será condenado. Não creio, todavia, que haverá tempo hábil para uma condenação em segunda instância, o que o tornaria inelegível.

Portanto, em 2018, está marcada a data do seu julgamento definitivo, e com cabos eleitorais tão fortes quanto o Ministério Público, a Justiça e a imprensa, a menos que outro valor mais alto se alevante, ele é o mais forte no páreo.

Comentários

  1. Meu querido amigo..."não apresentam provas" a frase mais ouvida por todos aqueles que oram delatados...inclusive pelo ex presidente...você concorda com isso...pode nos explicar...

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    1. A delação, por si só, não é prova, mas tão somente uma narrativa do delator. Para que essa narrativa se transforme em prova é necessário que o delator, e principalmente o órgão acusador, colha as provas que materializem o crime tipificado e autoria dele.
      O que está ocorrendo, em alguns casos da Lava Jato, é que condenações estão havendo com base apenas no que os delatores narram e a maioria deles só está oferecendo provas contra si mesmos, entregando as suas respectivas contas bancárias onde estocavam o produto da propina.
      No caso específico do processo em que Lula foi ouvido. Onde está, até o momento, a prova material de que o Lula é o dono do tríplex? Ir visitar, 1, 2, 3, 4, 10 vezes um apartamento, com intenção de comprar, ou não, é prova de que comprou e ocultou a propriedade?
      Quem pode garantir, diante das circunstâncias, que o Léo Pinheiro não está mentindo na delação? Assim como pode ser tudo verdade o que ele disse, também pode ser verdade que ele envolveu Lula apenas para ver aceita a sua delação e conseguir o prêmio dela advindo.
      Independentemente do réu ser ou não culpado, ele não pode ser condenado por indícios e sim, e exclusivamente, por provas incontestáveis.
      O Direito Penal, nas democracias, não pode ser tangido pelo clamor popular, pois isso induz a uma alta probabilidade de erro.

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    2. Existe no mundo apenas um ser mentiroso: o homem. Todos os outros seres são verdadeiros e sinceros, pois mostram-se abertamente como são e manifestam o que sentem.
      Arthur Schopenhauer.

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  2. não creio que seja um principio universal do direito a frase: "in dubio pro reo". Não creio que nos eua todos os juizes pensem assim, dizem inclusive que la alguns juizes são eleitos or voto popular.
    O mundo é grande, tem mais de 200 paises.
    Eu até penso que deveria haver extremo respeito a integridade fisica nas penitenciarias (e regime diferenciado nos casos de duvida), para que se observe o contrario, ou seja, in dubio pro segurança publica.

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  3. Parsifal, a " Teoria do Domínio do Fato " se enquadraria no escopo das delações, posto que um desmantelo tão grande, um soma em dinheiro absurda envolvendo propinas, contratos superfaturados, o dinheiro devolvido por denunciados, o rastro da grana polpuda deixado pelas movimentações financeiras, vantagens advindas de empresas envolvidas em bandalheiras, em favor de agentes públicos se aplicaria ao caso, ou em quais circunstâncias poderia ser aplicada? Para qualquer pessoa, por pouco informada que seja, deduz que uma soma dessa ordem envolvida em caixa 2, jatinhos pra lá e pra cá de empresas que detinham contratos com o governo ou suas estatais transportando figurões, inclusive a outros países, familiares de autoridades auferindo vantagens de empresas concessionárias de serviços públicos, nada disso poderia acontecer sem que houvesse alguém a orquestrar a lambança. Não é razoável imaginar que o sistema assim fosse autômato.

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