À escravidão das palavras a soberania do silêncio

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Aécio Neves (PSDB-MG) já é carta fora do baralho da República em convulsão: ontem mesmo, com a irmã e o primo presos, Neves foi defenestrado da presidência do PSDB, a quem resta as alternativas Alkmin ou Doria. Esse último, na minha preconcebida opinião, não passa de uma espécie de Collor com valorização cromática.

O presidente Michel Temer, atingido nas femorais pela delação de Joesley Batista, deverá conseguir relativa sobrevida.

Opino pela sobrevida de Temer porque a versão do áudio foi estrondosa, mas o fato que ele trouxe tem octanagem muito menor do que a repercussão que causou.

Na política, inobstante, a repercussão tem peso específico mil vezes maior que o fato, Nesse campo o estrago está feito: mesmo que Temer contorne a tempestade, dificilmente reimprimirá no governo o torque parlamentar que estocava.

A gravação, que em eras onde o Direto Penal tinha respeito ao processo seria nula para efeitos probatórios, durou 38min57s. O trecho que sacolejou a República dura cerca de três minutos e não guarda indício de que o presidente da República teria contribuído, subjetivamente, com a obstrução aventada. Todo o áudio, aliás, é um amontoado de anacolutos.

Abaixo a transcrição do trecho referido:

BATISTA: O negócio dos vazamentos, o telefone lá do Eduardo com o Geddel, volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o quê. Eu tô lá me defendendo. O que que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora: eu tô de bem com o Eduardo, ok

TEMER: Tem que manter isso, viu? [inaudível]

BATISTA: Todo mês...

TEMER: [inaudível]

Qualquer análise sintática do diálogo, mesmo contextualizado em toda a extensão da gravação, só encontra uma classificação para a frase de “Tem que manter isso”: ela é objeto direto da afirmação terminativa de Joesley, “eu tô de bem com o Eduardo”. As ilações fora deste objeto não são contextuais, mas puramente circunstanciais, pois como o contexto não está claro, todos se julgam no direito de interpretar como melhor lhe aprouver as circunstâncias.

Objetivamente, portanto, não há como prosperar, com base exclusiva no áudio publicado, a acusação de obstrução de Justiça por Temer. As chances de uma condenação penal no estrito intervalo dessa imprestável prova são remotas.

Mas, repito, a procela política está consumada e o presidente da República, caso não apareçam mais fatos que lhe aumentem a ferida, mesmo enfraquecido, deverá se manter no cargo e, quiçá, recuperar o estoque de apoio parlamentar que acumulou para tentar aprovar as reformas trabalhista e previdenciária que estavam no prelo e agora tomaram o caminho do brejo.

Temer deve ser aconselhado a pensar três vezes antes de se pronunciar.

É de Shakespeare a frase, "é melhor ser rei de teu silêncio do que escravo de tuas palavras", parafraseada para a política pelo 3⁰ presidente dos EUA, Thomas Jefferson, que confessou “já se ter arrependido de algumas coisas que falou, mas jamais se arrependeu de ter ficado calado”.

Em momentos graves, a prudência aconselha uma nota curta e seca, analisada à exaustão, e jamais falas de improviso, que podem atropelar quem as profere.

Na fala de ontem, Temer fez uma confissão que será usada pelos seus adversários e pelo próprio Procurador-Geral da República, contra ele:

“Ouvi, realmente, o relato de um empresário que, por ter relações com um ex-deputado, auxiliava a família do ex-parlamentar. Não solicitei que isso acontecesse e somente tive conhecimento desse fato nessa conversa pedida pelo empresário.”

Se a gravação não comprova que Temer participou da elaboração subjetiva de obstruir a Justiça, pagando pelo silêncio de Cunha, o próprio Temer acabou deixando claro que tomou conhecimento do fato.

Ao omitir da Justiça o conhecimento de um ato criminoso, Temer, formalmente, estaria corroborando a sua continuidade. Seria melhor se tivesse permanecido como rei do seu silêncio.

Comentários

  1. Como sempre, as suas palavras são um primor se sensatez.

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  2. Tem algo estranho nisso tudo que envolve a JBS, os irmãos Batista, Temer e dinheiro em malas rastreáveis. A política, como ela tem sido no Brasil, não é um terreno por onde circulem virtuosas donzelas imaculadas. Chip colocado numa mala para ser rastreada e corrupto contando o dinheiro da propina não é algo comum, parecendo até algo como a forçar, induzir uma prova. Volta e meia fala-se em Rodrigo Janot e sua vontade de concorrer ao governo de Minas. Abatendo o Aécio, claro que fica mais fácil... Falou-se muito ontem 18/05 no mercado de capitais que a JBS teria comprado na véspera uma fábula de dólares. O acordo feito, parece que às pressas entre a PGR e a JBS, que tinha um Procurador X9 infiltrado nos seus intestinos soa como algo açodado de caso pensado. Não acho que o Temer seja um santo, mas ouvindo atentamente o tal áudio, nele, com um mínimo de isenção, não há indícios de acordo para prática de atos ilícitos. Olhando-se os valores, acordo foi extremamente vantajoso para a JBS, que no caso, deu um " chapéu " nas outras empresas que estão na mesma situação de delatoras, posto que com um informante dentro da PGR ele teria um nível de informação maior que seus confrades nesse clube nefasto. Os irmãos Batista tiveram suas empresas regadas por muito, muito dinheiro fácil do BNDES sob Lula e Dilma, mas parece que investigar esses caminhos não diz respeito à PGR. Que fique claro, que se alguém, político, empresário e o escambau cometeu crime, que pague. Não se melhora a sociedade, uma sociedade cansada com tanto fedor, se protegermos bandidos de estimação. Pode ser apenas devaneio da minha alma enjoada com tanta podridão, mas há algo estranho no ar e não são apenas os aviões de carreira...

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  3. e os bonecos delatores. um dia antes, segundo um blog, compraram dólares.ganharam rios de dinheiro, moram no exterior. pelo que se vê. a preocupação deles não e acabar com a patifaria. mas manter as coisas pra eles como estão. devem esta na piscina de uma mansão no exterior rindo da justiça

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  4. No relato do executivo do Grupo JBS, Ricardo Saud, o senador paraense Jader Barbalho (PMDB) vendeu seu apoio a Dilma, na eleição de 2014, em troca de propina que o grupo deu para o PT, no valor de R$ 35 milhões, somente para "comprar senadores". Jader ameaçava apoiar Aécio Neves se não pagasse o que queria. Pode isso Arnaldo?

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  5. Francisco Márcio20/05/2017, 12:03

    A ser verdade que há edições na gravação o contexto muda, e muda muito... Ademais, creio que o fator determinante será o ronco das ruas. Hoje, infelizmente, todos os poderes, Legislativo ( principalmente ), Judiciário e Executivo não dão um passo sem olhar para as ruas...

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