Pular para o conteúdo principal

De Chomsky, para Lula

noam

Aos 88 anos, o norte-americano Avram Noam Chomsky continua sendo uma das maiores referências acadêmicas da sua área no mundo.

Mas não é somente como o “o pai da linguística moderna” que Chomsky é ouvido e cheirado. Ele empresta a inteligência cognitiva no campo da filosofia analítica ao articulismo político, o que faz com que, não raro, as suas opiniões no ramo sejam lidas como sentenças.

Um dos últimos ícones da esquerda pura mundial, Chomsky já foi um dos mais ferrenhos defensores de Lula, mas pela frase, proferida em entrevista ao "Democracy Now", colada na ilustração, a expetativa da transformação que ele tinha trasmudou-se em decepção, na mais boa rima de que o lulopetismo meteu os pés pelas mãos.

Latu sensu, a desilusão de Chomsky coincide com a sinceridade de outro arauto do esquerdismo transnacional, o escritor brasileiro Jorge Amado, que na sua prazerosa autobiografia, “Navegação de Cabotagem”, nos idos da década de 1990, expeliu os equívocos do “marxismo aplicado”, o que me levou, após a leitura do livro, a escrever a ele, ousando sugerir de que os equívocos não estavam no marxismo, mas em quem tentou aplicá-lo.

Permito-me também discordar de Chomsky quando ele fecha o intervalo do fracasso nos “governos de esquerda que se disseminaram na América Latina”, antes porque não conheço um caso de sucesso de “governos de esquerda”, pelo fato analítico pessoal de que governos, uma vez instituídos, só mantêm o espectro cardeal na agenda ideológica, coincidindo nos meios pelos quais almejam atingir uma ou outra meta, e para tal, igualmente, distanciam-se até mesmo do princípio elástico da ética da responsabilidade política enunciado por Weber.

E é nesse princípio que a entrevista de Chomsky se torna capciosa, pois o seu curso tenta “salvar” o esquerdismo transnacional condenando apenas o “da América Latina”, sob a culpa, ou desculpa, de que os equívocos foram calcados na agenda macroeconômica.

Todavia, adiante, Chomsky, embora não elida o paradoxo da fala, se corrige e desanca o lulopetismo – e o chavismo - naquilo que não há como contestá-lo, ao afirmar que “o fracasso não foi apenas das políticas adotadas, mas do ponto de vista ético”, para ao final arrematar, sem linho, que não bastando os tropeços na macroeconomia, “houve enorme corrupção”.

Mas foi exatamente a agenda ética, ou a falta dela, que fulminou a agenda econômica do lulopetismo, se é que houve alguma – o que acho que não houve: tudo não passou de retalhos mal aplicados na colcha.

E foi já sob a batuta de Lula, com menos desafino, descambada para um barulho ensurdecedor com Dilma Rousseff, que os desvios éticos contaminaram a moedura econômica, ao cometerem todo tipo de experimento para salvar a lavoura de um sistema que já estava em franco processo de septicemia generalizada, fazendo da corrupção o próprio sustentáculo da agenda de poder.

Se o que sobrar da esquerda brasileira, depois da passagem do tsunami, não fizer esta autocrítica, não conseguirá tão cedo renascer das cinzas, o que é uma pena, pois a doutrina precisa existir para contrabalançar o pêndulo, contribuindo com o equilíbrio ao qual toda democracia madura precisa se submeter.

Comentários

  1. Olá Parsifal, a verdade sempre teima em aparecer, veja esta matéria do Blog O Cafezinho: "Chomsky desmente colunista da Folha e condena, categoricamente, o golpe de Estado e o governo Temer. Clovis Rossi andou espalhando, no Brasil, uma versão falseada (um “fake news”) sobre uma entrevista de Chomski ao Democracy Now. Agora que a verdade veio à tona o Sr. vai restabelecer a verdade corrigindo a matéria publicada em seu Blog? http://www.ocafezinho.com/2017/05/06/chomsky-desmente-colunista-da-folha-e-condena-categoricamente-o-golpe-de-estado-e-o-governo-temer/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não sei se você domina a língua inglesa para entender a entrevista dada por Chomsky ao Democracy Now.
      Se dominar a entrevista, que eu assisti, pode ser vista clicando aqui. Se não entender tente alguém que traduza para você. Na entrevista, Chomsky fala exatamente o que transcrevi, para criticar, inclusive.
      No artigo de Chomsky, publicado na Folha de S. Paulo, que “O Cafezinho” apenas transcreveu, dando o título capcioso, Chomsky torna a repetir que “grande parte da liderança juntou-se à elite extremamente corrupta, que sempre roubou; tomaram parte no jogo e perderam a credibilidade”
      O artigo de Chomsky tenta reparar a dureza com ele tratou o PT na entrevista, onde ele diz, textualmente (mais uma vez vá ao vídeo) “It’s painful to see the Workers’ Party in Brazil, which did carry out significant measures, just, they just couldn’t keep their hands out of the till. They joined the extremely corrupt elite, which is robbing all the time, and took part in it”, o que em português significa “É doloroso ver que o Partido dos Trabalhadores, que entregou mudanças significativas, não conseguiu manter as mãos fora do cofre. Eles se juntaram a uma elite extremamente corrupta, que sempre roubou, e roubaram junto”. Chomsky acusa o PT de corrupto, com todas as letras.
      Portanto, eu não tenho que recompor verdade alguma, pois tudo o que está na postagem, referindo-se à fala de Chomsky, pode ser ouvido da sua própria boca, no vídeo que lhe envio o endereço, e na verdade, quem falta com a verdade é “O cafezinho” ao afirmar que o artigo de Rossi esparge “fake news”, como uma forma de tentar induzir o leitor ao erro de achar que a entrevista dada ao Democracy Now é falsa. O pior é que esta tática funciona com alguns que não têm meios, ou não querem, buscar a fonte, como funcionou com você.

      Excluir

Postar um comentário

Comentários em CAIXA ALTA são convertidos para minúsculas. Há um filtro que glosa termos indevidos, substituindo-os por asteriscos.

Postagens mais visitadas deste blog

Mateus, primeiro os teus

Convalescendo da implantação de um stent , o governador Simão Jatene (PSDB-PA) foi apanhado, ainda no Hospital do Coração (SP), na manhã de ontem (03), por uma desagradável matéria da “Folha de S. Paulo” reportando que “ao menos sete familiares, além da ex-mulher e da ex-cunhada” de Jatene exercem cargos de confiança no Executivo, no Legislativo e no Judiciário do Pará. A reportagem declara que, somados, os salários dos familiares do governador “ultrapassam R$ 100 mil mensais”. > Sem incidência de nepotismo As averiguações já foram matérias em blogs locais. Quando me foi perguntado se feriam a Súmula 13 do STF (nepotismo), opinei que não, o que foi agora ratificado pela reportagem da “Folha” que, ouvindo “especialistas” declarou que os “casos não se enquadram diretamente na súmula vinculante do STF”. Nenhum dos parentes ou afins relacionados pela “Folha” está a cargo de órgãos vinculados ao executivo estadual e a matéria não demonstra a existência de cargos ocupados, no Poder

O HIV em ação

A equipe do cientista russo Ivan Konstantinov arrebatou o primeiro lugar no “International Science and Engineering Visualization Challenge”, um concurso que premia imagens científicas da forma mais verossímeis e didáticas possíveis. Abaixo, a imagem em 3D do mortal vírus da Aids (HIV), em laranja, atacando uma célula do sistema imunológico, em cinza. A tática do HIV é se estabelecer dentro da célula, sem destruí-la. Na imagem abaixo foi feito um corte para mostrar o HIV já estabelecido no núcleo da célula imunológica, usando-a para se reproduzir, expelindo mais vírus que atacarão mais células imunológicas para torna-las hospedeiras, por isto o sistema imunológico do portador do HIV fica reduzido. As imagens foram retiradas do portal russo Visual Science .

Parsifal

Em uma noite de plenilúnio, às margens do Rio Tocantins, o lavrador pegou a lanterna e saiu correndo de casa à busca da parteira. Sua mãe, uma teúda mameluca, ficou vigiando a esposa que se contorcia com as dores do parto. Quando voltou com a parteira, o menino já chorava ao mundo. Não esperou: simplesmente nasceu. A parteira cortou o cordão umbilical e o jogou ao Rio Tocantins. Após os serviços de praxe de pós parto, a mãe de Ismael o chamou ao quarto para ver o filho. O lavrador entrou no quarto. A lamparina o deixou ver a criança ao peito da mãe: nascera Parsifal, pensou ele orgulhoso. O lavrador pegou uma cartucheira calibre vinte, carregou o cartucho ao cano, armou e saiu à porta. O Tocantins espreitava-lhe manteúdo. Apontou a mira da vinte à Lua e disparou: era assim que os caboclos do baixo Tocantins anunciavam a chegada de um homem à família.