Em seu livro recém lançado, “O Nobre Deputado”, o juiz Márlon Reis desvela os bastidores da realpolitik nacional.
Márlon mostra um dos lados da moeda: do lado do político, a negociata para prover fundos eleitorais e as licitações arranjadas, convênios fraudulentos e emendas parlamentares para pagar a conta da campanha.
Mas não poupa o outro lado do mesmo vintém: do lado do eleitor a venda do voto e a aliança espúria da conveniência entre quem vota e quem é votado.
“Todos os esquemas para desviar dinheiro público para campanha de nada valeriam se não houvesse eleitores dispostos a vender seus votos. Você é um hipócrita. Se não votou por dinheiro, é minoria, como são minoritários os que não compram voto”, desafia Márlon, o fundador do “Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral”, que conseguiu a aprovação da Lei da Ficha Limpa.
O juiz desanca o financiamento privado de campanha, modelo vigente hoje: “Ninguém doa dinheiro algum. O que existe de fato é um adiantamento de recursos para o candidato. O financiamento, na verdade, é uma espécie de namoro que definirá o casamento ao longo de um mandato voltado para tirar vantagem dos cofres públicos. ”.
“Todo altruísmo é desfaçatez. Na política não há espaço para ingênuos e sonhadores. A política é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. (...) Os novatos que ingressam com ilusões de mudanças são cooptados ou cuspidos pelo sistema”.
As aspas são frases de efeito do livro e, com menos adjetivos, o que Márlon descreve sobre o artifício da venda da democracia no financiamento privado, eu escrevi, em um artigo publicado em 2009, portanto, há 5 anos, onde eu defendo o financiamento público.
Se não quiser ler o livro do Márlon Reis, você pode ler um resumo que eu fiz dele, antes de ser escrito, aqui.
absolutamente falsa a tese de que a maioria vende seu voto, como outras assertivas do juiz vem desacompanhada de qualquer dado empirico, sem qualquer pesquisa.Na verdade Marlos Reis acaba sendo propagador de uma tese cada vez maior no Judiciario : a da democracia sem povo, dirigida pelos juizes iluminados que "interpretando" a lei pretendem definir o resultado dos processos eleitorais.Foi um dos principais defensores do efeito retroativo da lei da ficha limpa e da tese de que "inelegibilidade nao e sancao".
ResponderExcluirSim, afirmar que a maioria vende o voto é exagero, mas o exagero pode ser uma figura estilística para conotar a imprestabilidade do sistema atual.
ExcluirTodavia, também é exagero afirmar que o Judiciário defende "uma democracia sem povo" e que juízes iluminados pretendam dirigir o país. A judicialização do processo eleitoral é muito mais uma omissão do Poder Legislativo, que não elabora o processo eleitoral como devia, do que a pretensão judicial de dirigir esse mesmo processo.
O fato de Márlon opinar pela retroatividade da Lei da Ficha Limpa e não conceituar a natureza jurídica da inelegibilidade como um pena, no que eu discordo absolutamente dele, não lhe tira o mérito e a credibilidade de discutir a questão e demonstrar o que enxerga nos bastidores do processo eleitoral.
Este é um debate interessante. De fato pode ser um exagero estilístico a noção de "democracia sem povo" que seria defendida por alguns . Todavia, é inegável que autores que são muito citados pelos que defenderam posições semelhantes ao do juiz Márlon Reis vêm deslizando para uma espécie de desencanto com aspectos da democracia e acabam por recair em posições que defendem um tipo de papel "tutelar" do Judiciário , pois o povo não teria condições sozinho de fazer as "escolhas certas". Exemplo disso podemos ler no seguinte trecho do artigo de João Batista Herkenhoff sobre a lei da ficha limpa :
ResponderExcluir"Não pode a Justiça Eleitoral desprezar a hermenêutica sociológica. Através desse caminho, o intérprete coloca-se diante da realidade social. É inviável a análise da vida pregressa dos candidatos, por parte do eleitorado, em razão de fatores culturais e políticos que furtam o acesso de grande parcela da população a fontes de informação imparcial, ampla e clara. Diante desse quadro, a Justiça Eleitoral não se pode deixar enredar por uma interpretação literal, que daria elegibilidade a políticos sujos, mas trairia os fundamentos da própria Constituição". Tradução : como o povo não sabe votar, por lhe faltar informação, cabe ao Judiciário impedir os que ele -Judiciário - considera "fichas-sujas" de enganarem a plebe ignara . Este tipo de raciocínio tem servido para fundamentar um hipermoralismo que, sob o argumento de combater os males - reais e graves - da vida pública, acaba substituindo o Direito ( clamando contra o que seria uma interpretação meramente literal) pelos critérios de moral individual de cada julgador, gerando julgamentos contraditórios, com critérios obscuros e, não raro, abrigadores de interesses inconfessáveis.
Um abraço Carlos Botelho.
Nesse aspecto concordo plenamente com a sua reserva. E o pior é que essa avaliação moral já é exercida pela Justiça Eleitoral e não cabe ao estado ser o mentor moral da nação.
ExcluirTodavia, insisto na tese de que o maior responsável por esse viés adotado pela Justiça Eleitoral é o próprio Poder Legislativo que adotou uma posição medrosa na elaboração da legislação pertinente, ou simplesmente não legisla e recorre à Justiça Eleitoral para que essa lhe preencha a omissão e a Justiça responde legislando.
Essa encruzilhada democrática precisa ser rompida: ou o Poder Legislativo assume o seu papel, ou o Poder Judiciário continuará o usurpando.