O mar, quando quebra na praia…

A democracia brasileira vive um delicado momento de passagem: a adolescência, onde o borbulhar orgânico raia à ebulição.

A precipitação com que se ministram colutórios, pode causar convulsão hormonal, com reflexos danosos quando a maturidade bater à porta.

A Câmara Federal errou ao manter o mandato do deputado Donadon, mas à guisa de purgar, errou novamente ao suprimir da Carta as exceções à regra do voto aberto.

> Voto secreto

As três exceções que a Constituição faz ao voto aberto são as apreciações de vetos do Poder Executivo, os escrutínios pessoais, e a cassação de mandato parlamentar, que são decididas por voto secreto.

A cassação de mandato é um excrescente enclave corporativo no ventre da Carta, pois não há imparcialidade inter pares. Maduro seria aprovar a PEC, já em andamento no Senado, deslocando a prerrogativa ao STF.

Suprimir o voto secreto na apreciação de vetos e em escrutínios pessoais (eleição da Mesa e escolhas de indicações a cargos e funções públicas), reduzirá o Parlamento, mais do que já é, a capacho do Poder Executivo, tornando absoluto o controle sobre a maioria, o que sufocará as minorias.

> Instrumentos de minorias

Democracia não é governo de maioria como alguns equivocadamente definem. Esse é uma definição despótica e gutural. A maioria é apenas a forma pela qual se alcança o poder. Uma vez alcançado, a própria democracia providencia o direito das minorias, através da correlação de forças estabelecida pela oposição.

Shot007Os regimentos internos das Casas Legislativas e o voto secreto, nas exceções elencadas, são os únicos instrumentos dos quais dispõem as oposições para exercer os direitos da representação minoritária, frente ao totalitarismo do gabinete, que deseja que tudo seja feito conforme a sua vontade, assim na Terra como no Céu.

Quando o Poder Executivo, liminarmente, puder vigiar os votos nos assuntos do seu império, as minorias estarão fadadas a meras peças figurativas: teremos o Estado total.

> Dose cavalar

Não é oportuno aos arrivistas, e àqueles que advogam os interesses do establishment, ir de encontro à crista das ondas. Mas como eu estou menos preocupado com votos e mais com a maturidade democrática,  ouso afirmar que, à guisa de exercer o legítimo controle sobre os votos dos seus representantes, a nação não atenta que doses excessivas do remédio podem matar o doente que deseja sarar.

Ondas são assim mesmo: uma vez induzidas só quebram na praia. Mas se você tiver tempo e disposição intelectual, leia um artigo que escrevi, em 2007, sobre o voto secreto.

Comentários

  1. Vivemos em uma democracia hoje?
    Como pode se sou OBRIGADO a votar?
    Além de outras coisas...

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    1. Sim, vivemos uma grande democracia. Ser uma democracia não significa que o cidadão não tenha deveres e obrigações para com o seu país, pois não há direitos sem os deveres correspondentes.
      Todavia, há um equivoco quando todos afirmam que, no Brasil, é obrigatório. Não é. Você tem o direito de não votar.
      O que há é que para exercer esse direito de não votar, você está obrigado a pagar uma multa de até R$ 4 reais, caso não justifique o motivo da ausência nas urnas.
      Na proposta de reforma política em andamento na Câmara Federal, há a proposta de acabar com a "obrigatoriedade" do voto, ou seja, quem não quiser exercer o direito ao voto, não sofrerá sanções.

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    2. O eleitor que não votar e nem justificar a sua ausência nos prazos legais estará sujeito às seguintes restrições:
      a) pagamento de multa;
      b) não poderá inscrever-se em concurso público;
      c) não receberá vencimentos, remuneração, salário ou proventos, se o eleitor for funcionário público;
      d) não poderá participar de concorrência pública;
      e) não poderá obter empréstimo, desde que não se trate de instituição bancária privada;
      f) não poderá obter passaporte, carteira de identidade ou CPF;
      g) não poderá matricular-se em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo Governo;
      h) não poderá praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

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    3. Correto. A lei não diz que você é obrigado a votar. Apenas estabelece sanções a quem não o faz. E as sanções só são cabíveis se não houver justificativa ou o pagamento da multa. Portanto, se você simplesmente não quiser votar e nem justificar, basta pagar a multa de +- R$ 4 reais e não sofrerá sanção alguma.

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  2. Parsifal. Leio o seu Blog e agradeço por vc trazer luzes sóbrias sobre questões diversas. Pode haver exagero no meu comentário, mas a indignação das pessoas comuns como eu, que não entendem de Leis mas que aprenderam um pouco da vida - todos nós aprendemos alguma coisa - mas o Brasil, em muitos casos, é feito pra não dar certo. Talvez vc ou os seus milhares de leitores me achaem pessimistas, mas não consigo entender: 1 - O voto não ser facultativo 2 - Demora pra se aprovar a redução da maioridade penal. Nesse caso, e como uma eleição se avizinha, claro que não sairá do papel. Como entender que uma pessoa de 16 anos pode escolher o Presidente da República, mas não pode ser penalizado por seus atos, sem benesses por não terem 20, 30 anos? As tais Fundações Casa e suas congêneres são o que são. E o pior é constatar que uma pessoa de 16 anos comete um crime bárbaro como é fácil ler nas manchetes policiais e logo estará solto, sob argumentos os mais hipócritas possíves 3 - Reformas engavetadas 4 - Foro privilegiado. Todo cidadão deve submeter-se às Leis, não importa o seu galardão ou posição política. Aliás, a pessoa que recebe dinheiro público para desempenhar funções, quer sejam políticos, ou não, deveriam sim ter penas muito duras para desestimular que outros bandidos travestidos de legisladores, ou que comandem instituições, como o Judiciário, caiam em tentação 5 Prisão especaial para quem tem curso universitário. Para esses, que em frequentando uma escola desse nível incidirem no erro, as condições deveriam ser as mesmas do cidadão comum. Imagino - talvez eu seja sonhador - que quem tem mais instrução formal tenha mais condição em discernir entre o que é certo e o que é errado. Claro que a Casa do Espanto, como diz o Augusto Nunes, continuará de costas para o povo. Os caras são tão bandidos quanto o Donadon. O pau quebrando nas ruas, a insatisfação das pessoas crescendo a cada dia, a indignação nas alturas, e suas excelências - ou seriam excrescências? - aboletadas na Casa do Espanto, fazem ouvidos de mercadore$. O cifrão não é erro de digitação. Depois tem gente que fica vermelha de indignação quando nos chamam de republiqueta. O rubor deve ser de medo de perder privilégio$.

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    1. O que você coloca são problemas de uma democracia em gestação. Não existe um país ideal porque não existem pessoas ideais.
      O voto ser ou não ser facultativo é discussão que enfrentaremos eventualmente. A tendência é abolir as sanções a quem não vota e não se justifica: esse é o caminho natural da democracia.
      É um equívoco pensar que se reduzirmos a maioridade penal a criminalidade de jovens diminuirá: o jovem não delinque porque é menor: crime não tem idade.
      A criminalidade tem raízes sociais, educacionais e econômicas. O direito penal apenas trata de sanção e recuperação. Na escala da redução da maioridade penal, ao vermos que o crime na faixa não diminuiu (porque não atacamos a raiz do problema) daqui a algum tempo teremos a maioridade penal com 1 ano de idade.
      As outras mazelas que você evoca também são problemas nacionais que só diminuirão com o avanço educacional e econômico. Não imagine que os políticos brasileiros vieram do Taiti ou de Marte: são brasileiros e saíram do meio do povo. Não imagine ainda que penas mais duras para quem maneja o erário vão diminuir esse tipo de crime, pois não é a pena que faz com que o ser humano não delinqua: se assim fosse bastaria instituirmos a pena de morte e como ninguém quer morrer, ninguém mais cometeria crimes.
      Há Donadons no Congresso porque está cheio de Donadons pelas ruas. Ninguém vira corrupto porque se elegeu, é o eleitor que elege corruptos e alguns até colocam à venda os respectivos votos.
      Isso é um mal do Brasil? Não: é uma características de democracias imaturas e nações subdesenvolvidas cultural e economicamente.
      O Brasil não tem jeito? Tem, e há muito trilhamos o caminho certo: os nossos índices cada vez melhoram mais e caminhamos a passos largos para alcançar índices de países plenamente desenvolvidos, onde também há crimes contra o erário, delinquência juvenil, e todas as mazelas de uma sociedade plural, todavia, em menor grau, pois os mecanismos de defesa social, educacional e econômicos desses países é que baixam os índices ruins.
      Em quanto tempo teremos isso? Cinquenta anos para você é muito? Para a história é um segundo.
      Então, como você não viverá o bastante para ver isso, cruzará os braços? Não. Você vai ver isso através dos olhos dos seus filhos, dos seus netos, bisnetos, tataranetos...
      A vida é uma corrida de revezamento. Faça a sua parte do trecho, sem recalques ou desesperanças, pois você estará na linha de chegada através dos seus descendentes e se você cair antes de passar o bastão, a sua linhagem estará finalizada.

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  3. Como onosso dignissimo deputado reagiu á adolescência de suas belíssimas filhas? Creio qu nao com descreve na belissima postagem.

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    1. Com calma, compreensão, amor e paternidade. Nenhuma delas recebeu colutórios em excesso e, por conseguinte, não tiveram efeitos colaterais na maturidade.

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  4. Dr. Parsifal, a sua resposta sempre sábia em todos os momentos. Parabéns!

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