Em 30 de dezembro de 2006 Saddam Hussein foi executado por enforcamento, três anos depois de sua captura.
O tribunal que o condenou não teria legitimidade para julgá-lo em uma democracia, pois na sua maioria era composto por xiitas, inimigos mortais dos sunitas, que tinham em Saddam Hussein o seu maior líder.
O veredito, portanto, independentemente da culpa ou do merecimento da forca, era previsível: os xiitas jamais perderiam a oportunidade de quebrar o pescoço do seu arquirrival e opressor por mais de três décadas e fizeram o trabalho encomendado pelos EUA, que queriam Saddam morto, mas não queriam aparecer na foto colocando-lhe a corda no pescoço.
Contam os que presenciaram a execução que Saddam, em nenhum momento, demonstrou medo e, como Jacques De Molay, o último grão-mestre dos Templários, quando foi incinerado por Felipe IV, o Belo, ainda rogou praga aos desafetos.
O vídeo da execução revela a praga esbravejada antes do cadafalso se abrir: “Morte aos Estados Unidos! Morte a Israel! Viva a Palestina! Morte aos magos persas!”.
A praga de Saddam Hussein tornou-se o mantra da resistência sunita aos EUA, que prometia impor o sistema democrático ocidental à Bagdá, mas que, na verdade, perpetrou um ato de vingança: uma resposta ao abate das Torres Gêmeas em Nova York, no fatídico 11 de setembro.
A inteligência estadunidense apontou o regime de Bagdá como um dos maiores financiadores da Al-Qaeda, e dentro do território iraquiano teria sido arquitetado, por Osama Bin Laden, o plano que levou o ato de terrorismo mais fatal perpetrado em pleno território continental norte-americano.
Passada mais de uma década do corte da cabeça da serpente o Iraque pagou, e ainda paga, o preço da prometida estabilidade democrática, mas não recebeu a mercadoria. Ao contrário, in facto, virou um colcha de retalhos de tiranias.
Assistindo uma reportagem sobre o atual Iraque, ouvi de um estudante de direito da Universidade de Bagdá, a frase que resume a ópera: "Saddam Hussein era uma enorme serpente. Hoje uma multidão de serpentes nos dirige.”.
O retrato do Iraque revela-se no mesmo filme no qual se impregnaram as fotos das demais ditaduras extirpadas no Médio Oriente, com as decisivas intervenções de coalizões exógenas, como na Líbia, por exemplo, onde se executou um ditador com a promessa de democracia e das cinzas dele surgiram vários ditadores, postos em uma guerra de tronos que em nada deixa a dever a série “Game of Thrones”, adaptada da obra de R.R Martin, inclusive na selvageria protagonizada.
No caso do Iraque, o recalque dos sunitas foi uma importante contribuição no surgimento de mais uma peçonha no serpentário: O Estado Islâmico (EI), que, afirmam os experts da gênese do autointitulado califado bélico, teve contribuição essencial de financiamento vestibular sacados da fortuna dos dois filhos das duas filhas de Saddam Hussein refugiadas na Jordânia, Raghad e Rana.
É dito em todo o Oriente Médio que as duas manejam estoques financeiros cuja liquidez pode chegar a 10 bilhões de euros, auferidos em mais de 30 anos de comissão em vendas de petróleo, quando o pai era o dono de fato de todos os poços do Iraque.
Esta fortuna estaria camuflada em investimentos locais, principalmente em países que mostram os dentes aos EUA, os EUA fingem achar que a expressão é de sorriso, mas sabem que o sentimento iguala-se ao de um cão acuado, avisando que, ao menor vacilo do interlocutor, lhe pula na jugular.
Por isso mesmo os EUA constroem toda a política externa dirigida ao Oriente Médio com um único objetivo: colocar focinheira na matilha.
A revisita que faço ao assunto é uma resposta a mim mesmo a uma pergunta feita a um comentarista norte-americano, em um programa jornalístico da BBC, sobre a situação da Venezuela, cuja ditadura, para se manter, conduz o país à petição de miséria.
Perguntaram ao comentarista porque os EUA “simplesmente” não invadem a Venezuela e “restabelecem a democracia”.
A reposta não passou pela revisita ao Iraque, à Líbia ou ao Egito, mas, no tempo que a TV fornece, o comentarista revidou que “não é tão simples assim”.
O método não funciona, pois as variáveis envolvidas são complexas. A inteligência norte-americana já entendeu isso desde que Barak Obama resistiu a todas as pressões para invadir a Síria e tombar a ditadura de al-Assad, pois a única coisa simples nessa idiossincrasia é a certeza de que o cenário ideal não brota após a escaramuça, e o pretérito demonstra que a fratura do nariz é mais provável do que o rogado ao se benzer.
A praga de Saddam Hussein continua a atormentar os EUA e a coalizão por eles liderada, e a ambição, por mais justa que seja, de levar estabilidade e democracia ao Oriente Médio está tão longe e de improvável sucesso quanto atravessar o Saara caminhando contra o vento sem lenço e sem documento.
Toda ditadura é odiosa e nenhum ditador é sequer um mal necessário, mas o método de, no meio da liça, aparecer um salvador que veio do Norte restabelecer a paz e a ordem, sai caro e não resolve, porque a Hidra de Lerna tem mais de uma cabeça e todas se regeneram depois de cortadas.
O Héracles de qualquer país, que tem poder suficiente para matar a besta, é o seu próprio povo e, sempre, um dia, ele se habilita.
Rana e Raghad são mulheres e não homens, como faz parecer o texto. Foram casadas com dois irmãos, que posteriormente foram assassinados a mando de Uday Hussein.
ResponderExcluirSim, são mulheres. Já está corrigido. Os filhos eram Uday e Qusay, que foram mortos em Mossul, por soldados dos EUA. Obrigado.
ExcluirMuito bom texto, esclarecedor. Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom esse artigo.Parabéns!
ResponderExcluirO que o sr fazia em Castanhal sábado passado?
ResponderExcluirOlá, meu amigo MCB. Estava observando as cenas.
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