“Eu perambulava pelas ruas de Annapolis, a capital do estado de Maryland, nos EUA, quando um monumento me chamou a atenção.
Uma imponente estátua de bronze de um homem negro, identificado como MarshalThurgood, costeado por um conjunto de colunas que sustentava duas lajes gravadas com a mesma frase lavrada no cume da colunata da Suprema Corte dos EUA, em letras capitais: “EQUAL JUSTICE UNDER LAW”, em tradução livre, “Não há Justiça sem obediência à lei”.
Avistei um guarda, a quem perguntei de quem se tratava. Ele retrucou-me como se eu fosse um descuidado cidadão de Maryland: “Você não sabe quem foi Thurgood Marshall?!”. Sem me rogar, respondi que não. O guarda empertigou-se: “Esse homem colocou as regras no jogo!”.
Fui à tréplica: “Que jogo?”. O guarda apontou à frase e ensinou-me: “a Justiça é um jogo e o Senhor Marshall colocou regras no jogo. Os patrocínios do Senhor Marshall deixaram claro como, quando e onde os juízes devem agir e até onde eles podem ir para submeter um cidadão ao poder do Estado”.
Fui pesquisar sobre o “Senhor Marshall” e descobri que ele foi um dos maiores advogados dos EUA. Defensor ardente dos direitos civis, denunciava que o Estado adquiria cada vez mais poderes contra os indivíduos. Foi o primeiro negro a compor a Suprema Corte dos EUA e é um dos mais citados nomes por quem cuida dos direitos civis e processos penais nos EUA”.
Um guarda de praça de Annapolis jamais saberá que foi ele quem me transformou em um ferrenho defensor do devido processo legal (as regras do jogo) sem o que não é possível entregar jurisdição correta.
Justiça não é o que um juiz, ou um jurisdicionado, pensa que é, pois o conceito subjetivo dela varia ao sabor do referencial de quem a observa. A Justiça é um processo que busca equilibrar o totalitarismo impositivo do Estado (a espada) com a cega (a venda) obediência às lavras que protegem o indivíduo a ele submetido, proporcionando-lhe a plena e correlata defesa (a balança).”
O texto acima é o pedaço de um capítulo, escrito em 1999, do meu livro de memórias. Fiz-lhe de prólogo da postagem, porque ela trata da reposição do devido processo legal no atual estágio do caso Lava Jato.
A esticada prisão preventiva dos acusados e a pressão para que fizessem da delação premiada uma chave de alforria afrontava o processo penal. Para que a lei se é consentido ignorá-la ao apelo, embora legítimo, das ruas? Não é porque eu quero e mereço ganhar o jogo, que tenho o direito de quebrar as regras e o juiz é aquele que, na lide, cuida da obediência das regras e não da ruptura delas.
Tenho dito que a prisão preventiva que se alongava se fazia em antecipação de pena, figura que não existe no Direito Penal Brasileiro. E foi exatamente isso que decidiu ontem (28) o Supremo Tribunal Federal, ao conceder liberdade aos encarcerados preventivamente pelo juiz Moro.
O relator, ministro Teori Zavascki, que por mais de uma vez já negara a liberdade a ele recorrida, quedou-se à imperiosidade do devido processo legal e observou que não mais era possível manter a chave do cárcere nas mãos de Moro.
"A credibilidade das instituições, especialmente do Judiciário, só se fortalecerá na exata medida em que manter o estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento de graves delitos, seja nos direitos constitucionais da presunção da inocência, da ampla defesa e do devido processo legal", disse Zavascki, e prosseguiu o voto usando exatamente o termo que lavrei aqui: “A prisão preventiva, da forma como está determinada, constitui-se em uma antecipação de pena”.
A ministra Cármen Lúcia e o decano Celso de Mello divergiram sustentando que ainda haveria chances de interferência na apuração, já que faltam alguns depoimentos, mas o argumento é pífio, pois prisão não impede interferência em apuração, antes porque não existe no Direito Penal o instituto da incomunicabilidade do preso com o seu advogado, que é a ligação dele com o exterior.
Ademais, o Estado tem um batalhão de procuradores, delegados e investigadores, além de toda a parafernália judiciária, legalmente posta ao seu serviço (a espada) para cuidar de trazer quem delinque aos costumes e cabe ao indivíduo tentar escapar da vara.
A prisão domiciliar e as restrições impostas, pelo STF aos réus, é o equilíbrio que precisava ser restaurado e são medidas legalmente previstas para prevenir que indiciados se furtem ao cumprimento da lei.
A vida é regra. Há regras para a concepção, para o nascimento, para viver e para morrer. Há regras na família, há regras na religião. A ausência de regras é o caos e no caos não há civilização.
Nobre Deputado,
ResponderExcluirDe Josias de Souza "...O brasileiro sempre foi um povo de pouquíssimos espantos. No país dos absurdos, o ponto de exclamação deixou de fazer parte dos hábitos nacionais. Quando se imaginava que o Brasil estava mesmo condenado à falta de estupefação, o juiz Sérgio Moro horrorizou todo mundo em novembro de 2014. O magistrado ressuscitou o assombro ao colocar o baronato da construção civil para dormir nos colchonetes da carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. Com seus mandados de prisão, Moro transformou a Operação Lava Jato num ponto fora da curva.
Antes que o pasmo fizesse aniversário de cinco meses, a 2ª turma do STF tratou de puxar o ponto de volta para perto da curva.
A ministra Carmen Lúcia, vencida na ilustre companhia do colega Celso de Mello, decano do STF, contrapôs às teses de Zavaschi um argumento tão singelo quanto avassalador. “Testemunhas ainda podem ser reinquiridas. Como não existe mulher quase grávida, não existe instrução [de inquérito] quase acabada. Quando finalizar a instrução, esse quadro pode mudar.” Como se pode ver, de 99 para cá o Estado brasileiro avançou muito no que se refere a organização, sistematização e institucionalização da corrupção. Somos o país dos paradoxos.
O Josias pode se indignar, você pode concordar com ele, eu posso discordar dele, eu posso concordar com você, você pode discordar de mim. Mas todos nós, nesse país que todos queremos ver a ordem e o progresso, todos nós, principalmente as autoridades têm que obedecer às regras.
ExcluirQue o juiz Moro acelere o passo, termine o inquérito e condene quem ele ver com culpa no cartório: seguindo as regras, pois eles serão condenados exatamente porque infringiram regras.
Assim como não existe mulher quase grávida, não existe correção em regra obedecida pela metade.
A Lava Jato virou masturbação para o juiz Moro. Já há provas em dobro, inclusive confissões, para condenar todos. Que ele o faça pronto.
Concordo com a argumentação do Parsifal...já houve holofotes suficientes para iluminar a cena..estáo acesos há tanto tempo que não vejo a hora de se queimarem...encerre Juiz Moro..ponha uma nota final nesta composição antes que ela desande.
ResponderExcluirPodemos agora dizer que no Brasil há a semi-impunidade, pois, ao menos, os bandidos, ainda que se livre solto, já cumpriram uma parte da pena.
ResponderExcluirA punição só pode existir depois da sentença. Você acha que o juiz Moro vai absolver a todos, deixando que a prisão preventiva tenha sido apenas um ralho?
ExcluirPercebe-se Excelência o ruído das ruas a tilintar os ouvidos do ministro Teori, que, para tentar acalmar o barulho externo, manteve os réus em prisão domiciliar ( nem vou falar das tornozeleiras), o que não é habitual no caso em tela.
ResponderExcluirÉ isso o equilíbrio. A manutenção da prisão seria manter a ilegalidade, mas revogá-la, restringido a locomoção dos réus, é perfeitamente legal e previsto processualmente no caso em tela. Ou seja, nem o 800 de Moro e nem o 8 que desejariam os indiciados. O bom senso é uma das fontes do bom direito.
ExcluirManter a ilegalidade? Dois outros Ministros votaram contra a soltura dos criminosos e sabemos que quem votou a favor foi o Teori e o Tofolli.
ExcluirInfelizmente, o que se percebe é um juiz encantado com o estrelato e se postando como justiceiro para agradar à massa. Prisão preventiva durar 5 meses fere o princípio da razoabilidade. Se tivesse o mínimo de sensibilidade, teria o próprio Moro revogado as preventivas, mas preferiu que outros juízes arquem com o dissabor popular de respeitar à Constituição.
ResponderExcluirEstão em prisão domiciliar, vão passar assim alguns anos, até o trânsito em julgado da sentença. No final, vão abater esse tempo da condenação e vão ficar livres, leves e soltos. Essa é a justiça do Brasil!
ResponderExcluirPrisão domiciliar não abate pena. Prisão preventiva também não, pois ambas não são penas. Pena só existe após condenação cujo efeito é a execução da sentença. Essa é a regra e assim deve ser até que se mude ela, antes de começar o jogo.
ExcluirO Dr. Parsifal, em sintonia com a jurisprudência contemporânea, tem certeza que não há detração de prisão preventiva?
ResponderExcluirO art. 42 da Lei 7.209/84, que alterou o Código Penal, é que trata do que a doutrina chama de detração.
ExcluirA querela jurisprudencial está na definição do que seja, no Direito Positivo Penal, a prisão preventiva.
O art. 42 enumera que devem ser detratadas a prisão provisória, a prisão administrativa e a internação. A execução penal que detrata a prisão preventiva o faz na fundamentação de que ela é uma modalidade de prisão provisória, que seria o gênero que engloba a prisão temporária e a preventiva e tal interpretação, como beneficia o condenado, é que deveria prevalecer.
Ocorre que, em Direito Penal, segundo a regra do Direito Positivo, que é a natureza que rege o arcabouço legal brasileiro, não pode haver interpretação extensiva, ou seja, onde a lei restringe não pode o aplicador estender a institutos diversos, mesmo em sendo eles de um mesmo gênero, mas de espécies diferentes. Tem que valer o que está escrito, ou o direito não é positivo mas de natureza consuetudinária, a Commom Law. Sequer recepcionamos o sistema híbrido, como é o caso dos EUA, pois o imperativo do garantismo está já no primeiro artigo do CP.
O art. 42 é restritivo: prisão provisória, prisão administrativa e internação são tratadas como espécies e não como gêneros, pois se fossem definidas como gêneros bastaria a menção à prisão provisória, pois que, nessa linha de raciocínio, a administrativa e a internação são provisórias e teríamos um pleonasmo legal no referido artigo.
Para que a prisão provisória fosse decretada legalmente como gênero, o artigo deveria, meramente, lavrar ““Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro” e ponto final. Mas no momento em que ele aditou mais espécies, como tal, idem, a tratou.
O executor da sentença, portanto, não pode emendar o artigo e colocar a prisão preventiva, nem a prisão domiciliar, no rol, sob pena de, a título de hermenêutica, estar legislando.
A rigor, sequer é possível invocar, para a detração, o in dubio pro reo, pois não há uma dúvida e sim uma certeza: a de que o legislador não quis incluir a prisão preventiva e nem a domiciliar no artigo. Descuido? Conceito equivocado? Seja lá o que tenha ocorrido, ao juiz não cabe preencher lacunas e nem transformar as suas definições em emendas.
Como tal discórdia jurisprudencial nunca chegou ao STF, não há Súmula à respeito.
Dura Lex Sed Lex, mas que é duro é. Mas os juízes das execuções penais, talvez porque sabem para onde estão mandando os condenados, têm detratado tudo, o que eu, como garantista juramentado, não concordo.
Então, ao anônimo das 17:03h, retificando o que disse o Dr.Parsifal: na prática, haverá detracao, sim. Pois, como sóis saber, é assim que funciona, sem paixões...
ResponderExcluirIsso só saberemos quando da execução da sentença. Se for sem paixão não haverá detração, pois o garantismo usa todos os instrumentos da Justiça: a venda, a espada e a balança.
ExcluirSe for com paixão é que haverá a detração.
Parsifal;
ResponderExcluirUma dessas edições do Globo Repórter mostrou a prisão de segurança máxima de Rondônia, as instalações, uma quadra de esportes e - de longe - alguns presos famosos, como o 'Beira-Mar'. Mas o que me provocou uma gargalhada foi a breve entrevista com um preso em especial, aquele que chefiou o bando que arrombou os cofres do Banco Central em Fortaleza. Ao final das perguntas ele disse: 'por quê estou aqui? tão isolado? na companhia de pessoas que espalharam terror e mataram tanta gente? Afinal, tudo que eu fiz foi furtar um dinheiro do cofre do governo.
Se de fato compararmos o montante do roubo do BACEN com o da Petrobrás; se constatarmos que nenhum dos dois lados praticou terror ou homicídio; se percebermos que são pessoas tranquilas e sociais; fica estranho que os destinos sejam tão diametralmente opostos. Ou não? Por quê não soltar todos eles de uma vez? Um homem que rouba o cofre do BACEN tem um grau de periculosidade bem menor do que aquele que leva a Petrobrás a uma crise.
É totalmente descabida a sua sugesto. Devem ser julgados, condenados e presos todos aqueles que infringiram as regras, sejam eles assaltantes do BC ou empresários.
ExcluirOs que estão cumprindo pena já foram condenados e por isso não podem ser postos em liberdade do mesmo modo que o foram os executivos que ainda não foram condenados e que deverão ser presos quando o forem.
Na fase de execução da sentença, tanto o assaltante do BC quanto o executivo, têm direito à progressão de regime e a serem postos em liberdade assim que adquirirem o tempo necessário para cumprirem o regime aberto.
O "Beira-Mar, aliás, também será posto em liberdade assim que cumprir a sua pena, pois não há prisão perpétua no Brasil.
Essas são as regras.
Deputado, mas os que roubaram dinheiro público serão colocados em prisões com traficantes, assassinos, etc.? Acho que foi essa a situação se levarmos em consideração a fala do preso.
ExcluirAs prisões são um mundo à parte e lá dentro não vigem as regras cá de fora: elas têm seus próprios chefes e seus próprios códigos. Têm até poderes que julgam e executam.
ExcluirOs juízes das execuções penais são, institucionalmente, responsáveis pela integridade dos apenados, por isso dividem os condenados, na medida do possível, segundo suas categorias de periculosidade e como eles poderão estar seguros no cumprimento da pena.
O Beira-Mar, por exemplo, não pode ficar em uma prisão misturado com traficantes. Por que? Porque assim ele teria facilidade de traficar cá fora e também seria fácil assassiná-lo lá dentro, por ordens cá de fora.
Presos por estupro, ao serem descobertos como tais, são estuprados, latrocidas são alfas respeitados, assim como chefes do tráfico, que se tornam os donos da vida e da morte nas prisões, inclusive corrompendo os administradores.
Corruptos e corruptores são "clientes" novos nos presídios, mas cá fora o desejo da população é lhes ver o sangue e isso tem grandes chances de se repetir dentro das prisões, por isso o Estado precisa ter com eles, ao apená-los, o mesmo cuidado que tem com o Beira-Mar, pois assim como foi garantido que ele fosse para uma prisão segura, onde não corre o risco de sofrer sevícias ou ser assassinado, os que serão condenados e presos pela lava jato, também têm essas garantias.
Sempre que o instinto da barbárie lhe acenar, faça um esforço para combatê-la dizendo a si mesmo que somos uma civilização e uma das conquistas da civilização, no direito penal, foi a individualização da pena e da execução dela. Estamos muito longe disso, mas precisamos buscar esse ideal.
Então como fica a decisão dos Julgados da Lava Jato
ResponderExcluirQuem foi condenado a 11 anos...cumpriu 8 meses em Curitiba e prisão...quanto tera que cumprir agora em domicilio?
Vai depender do quantum da nova pena.
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