Homero, Príamo, Aquiles, Heitor e Safia

Conta Homero, na Ilíada, que Paris, filho de Príamo, rei de Tróia, raptou Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta. Indignado, Menelau reuniu os exércitos gregos que, comandados por Agamenon, rei de Micenas, fizeram-se ao Mar Egeu. Assim teve início a “Guerra de Tróia”, que durou 10 anos e culminou com o fim do reino de Príamo.

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Para mim, a passagem mais dramática da Ilíada começa quando Aquiles desafia Heitor, o primogênito de Príamo, a lutar até a morte, do lado de fora das muralhas ilíacas.

Na luta, Heitor é mortalmente golpeado. Príamo sentiu o chão faltar-lhe aos pés quando Aquiles resolveu impingir-lhe um castigo pior do que a morte do seu primogênito: arrastou o corpo de Heitor para a cidadela que os gregos construíram nas bordas de Tróia, negando ao rei o funeral do filho.

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Caída a noite, Príamo, secretamente, conseguiu chegar aos aposentos de Aquiles, onde estava o corpo de Heitor. Na penumbra, Aquiles entrou no aposento e surpreendeu-se com Príamo ajoelhado ao lado do corpo do primogênito.

Ao perceber Aquiles, Príamo levantou-se e, ao perceber que o punho do aqueu buscava a espada, abriu o manto para mostrar que não portava arma. Aquiles abortou a empunhadura.

O ápice da cena é a súplica de Príamo a Aquiles, reclamando o corpo de Heitor. A voz do velho soberano saía resignada pela enorme perda. Ele queria velar o filho, fazer-lhe as honras fúnebres e, principalmente, colocar na boca de Heitor, o óbolo com o qual ele pagaria a Caronte, para atravessá-lo, quando a sua alma alcançasse a borda do Rio Estige.

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O sofrimento de Príamo enterneceu o coração de Aquiles, que permitiu a condução do corpo de Heitor a Tróia: o rei agasalhou o corpo do morto nos ombros e todo o exército grego abriu passagem para o pai conduzir o filho ao merecido funeral.

> Safia Farkash

Em agosto de 2011, dois comboios deixaram Bab al-Azizia, na sitiada Trípoli: um conduzia Muammar Gaddafi rumo a Sirte; outro conduzia, para a Argélia, a esposa de Gaddafi, Safia Farkash, dois filhos, e a filha.

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No comboio de Safia estava, segundo os rebeldes, 20 toneladas de ouro e aproximadamente US$ 5 bilhões em dinheiro.

Em outubro de 2011, Gaddafi foi arrancado de um bueiro, em Sirte, e executado a queima roupa.

Após mais de dois anos, Safia rompeu o silêncio e, desde a Argélia, apelou à ONU que a acuda a encontrar o corpo de Gaddafi, sepultado no deserto líbio, em local não informado. Ela deseja também contato com o filho, Seif al-Islam, preso na Líbia à espera do julgamento que, provavelmente, o condenará à morte.

É controversa a legalidade do segundo pedido, mas o primeiro é direito reconhecido por todas as legislações no mundo, advindo dos mais antigos costumes: o direito de velar e carpir os mortos antes do sepultamento ou incineração.

Mas mesmo que a Líbia resolvesse recepcionar o pedido de Safia, ela estaria praticamente impedida de proceder ao velório: há um mandado de prisão expedido contra ela, os filhos e a filha, que se cumprirá assim que um deles pisar em solo líbio, pois ali não está Aquiles no comando, e longe se vão os tempos de Homero.

Comentários

  1. ...se vão....esses e outros tempos...as éticas são outras nestes tempos, não é professor?

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  2. Hoje a ética e o respeito fizeram água.

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