Eu já contei que o meu pai começou a vida como porco d’água, saltando nas cachoeiras do Rio Tocantins, com um cabo de aço que seria amarrado em uma árvore, para que os bolineteiros içassem a embarcação nos desníveis da Capitariquara.
A Capitariquara estilhaçou barcos e ceifou vidas. O meu avô paterno foi o primeiro piloto a salta-la. Perdeu dois barcos ali. mas, isto é outra história que um dia eu conto.
Eu e meu pai testemunhamos o derradeiro barco marabaense a passar de montante a jusante da barragem de Tucuruí.
O barco foi o “Jarbas Passarinho” e o piloto foi o Mestre Zito, que teria que contornar um trecho raivoso e estreito do rio: única passagem deixada pela construtora que o barrava para a construção da Usina de Tucuruí.
O Mestre Zito apontou a proa do “Jarbas Passarinho” para a enorme e revolta rampa d´água que se formava e pediu força total ao maquinista. Eu crispei as mãos no peitoral do mirante quando ouvi o toque dos três sinos e a resposta imediata dos 180 cavalos de força do MWM cravado no ventre do marabaense.
O rebojo da hélice se confundiu com o do rio e o barco escorregou meio de banda, mergulhando na jusante sob as palmas da plateia.
Aquilo se constituiu em um melancólico tributo às duas espécies que naquele dia se extinguiam: o porco d’água e o piloto marabaense.
Para que fosse possível transpor a barragem era prevista a construção de um elevador de água, que a engenharia chama de eclusa.
As eclusas de Tucuruí foram iniciadas junto com a barragem de concreto, mas, após a inauguração da primeira etapa da Usina, as obras foram paralisadas: eu ouvi de três presidentes da República a promessa de concluí-las.
Em 16 de junho de 2004 recebi um telefonema do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento: ele me convidava para testemunhar a assinatura da ordem de serviço para o reinício das obras das Eclusas de Tucuruí.
Hoje, o presidente de quem eu ouvi a quarta promessa de concluir as obras, a cumpre: o Rio Tocantins, embora domado, lhe deve este tributo.
Eu sempre imaginei a inauguração das Eclusas de Tucuruí mais como um ato de poesia do que de ofício. Algo assim como um barco marabaense, se é que ainda existe algum, com um piloto, um maquinista e um porco d´água dos idos tempos, deslizando no canal ao som daquele delicioso carimbó do Rui Barata: “Este rio é minha rua, minha e tua mururé...”
Para completar o quadro, um caboclo remando, no rebojo do barco, uma canoa.
Um dia eu ainda faço isto, se assim me ajudar o engenho e a arte.
Fico a imaginar a indiscritível emoção que deve tomar conta de você num momento como esse sendo filho de navegador do rio Tocantins e como ex-Prefeito de Tucuruí, que tanto lutou contra o represamento do rio. Parabens! Essa vitória deveria ser compartilhada com todos os navegadores do rio Tocantins que foram cerceados em sua liberdade de ir e vir, prejudicados em sua atividade econômica, impedidos de exercer sua função social na comunidade como transportadores de cargas e pessoas, moralmente humilhados pela imposição de uma obra que eliminou uma rotina de trabalho, difilcultando e onerando a todos que necessitam da navegação fluvial. Finalmente, a Vale, Cargil, Ceval, etc, deixaram a União concluir a obra. Vamos aguardar o que vem pela frente: implantação da hidrovia Araguaia-Tocantins e ampliação do porto de Vila do Conde. E a pobreza aumentado, alguns poucos enricando, e o Pará servido de idiota para os planos do Governo Federal.
ResponderExcluirOi Artista,
ResponderExcluirA emoção deslanchou, curta! faz bem a alma e ao coração.
Abraços afetuosos do seu amigo.
Quem sabe a Dilma não torna o Tocantins novamente navegável... a eclusa resolve a transposição mas existem vários pontos aonde o tocantins precisa ser canalizado para passar embarcações...
ResponderExcluirSegundo Palocci, embarcações pequenas não utilizarão as eclusas...então aqui em tucuruí teremos que nos contentar em apenas ver os grandes comboios passarem...
ResponderExcluirAh, e qto á poesia, se resumiu apenas em um palanque para eleições presidenciais de 2014,foi bem isso ...vim de lá a pouco .
ResponderExcluirDeputado, explique a um ignorante se com as exlusas será possível transportar a soja do centro-oeste para ser embarcada aqui no norte, em que proporção se dará isso e em que portos será feito.
ResponderExcluirAs eclusas são somente uma parte do que poderá vir a ser a hidrovia do Araguaia-Tocantins. Por enquanto, não é possível o transporte do centro-oeste pois há trechos com passagem precária que precisam ser abertos.
ResponderExcluirPeraí! Quer dizer que agora teremos de esperar mais uma década pra que sejam abertos os trechos não navegáveis???
ResponderExcluirIncrível Deputado, um belo texto, mas que, cuidadosamente, evita o nome do Presidente a quem se deve o tributo.
ResponderExcluirCaso o Sr. tenha receio de pronunciar, ou melhor de escrever, segue: Luis Inácio Lula da Silva, nordestino, retirante, pobre, operário e, acima de tudo, sábio.