Mais uma tragédia presidiária nacional

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Em outubro de 1992, as facções que dividiam poder dentro do Complexo Penitenciário de Carandiru causaram a maior rebelião de presos que o sistema paulista já tinha enfrentado.

Para debelar a rebelião, a PM de S. Paulo invadiu os pavilhões. O saldo da tragédia foram 111 detentos mortos.

Afirma-se que alguns soldados da PM paulista, na ocasião, executaram vários detentos cumprindo encomenda dos chefes das facções. A linha que separa policiais de bandidos é amorfa e não cruzá-la é tarefa para espíritos amadurecidos.

Em fevereiro de 2001 São Paulo protagonizou mais uma rebelião de grande monta, a maior em número de presos rebelados no Brasil até hoje.

Foi quando a maior organização criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), determinou que 27.300 detentos em 27 presídios e dois distritos policiais do estado de São Paulo, tocassem fogo em tudo o que fosse inflamável.

O Brasil assistiu a Segurança Pública de SP tentando explicar como o PCC tinha uma rede de comunicação e logística que alcançava os 27 presídios do Estado, inclusive com fornecimento de armas de fogo e granadas de mão. E se estava falando de 30% dos presos do Brasil.

Desde então, o PCC expandiu poder através de uma rede de franquia em todos os estados da Federação. Em oposição ao PCC e com igual tenacidade, espargiram-se pelo Brasil os tentáculos do Comando Vermelho, com sede no sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

Hoje, o PCC e o Comando Vermelho são uma espécie de confederação do crime e as facções que grassam nos sistemas penitenciários estaduais estão filiadas a um ou outro.

No Domingo, 01 de 2017, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o maior do Estado do Amazonas, as desinteligências entre os capitães do crimes protagonizaram mais um massacre, que cá fora é noticiado como mais uma rebelião, mas que não passou de um extermínio, onde execuções pontuais são dissipadas dentro do assassinato de muitos. E essas coisas, uma vez começadas, só são controladas pelo cansaço, pois na esteira, contas particulares são acertadas na ponta dos estoques. O saldo de Anísio Jobim está entre 56 e 60 mortes.

E nessas ocorrências, o terror é uma afirmação de poder. Não basta matar: a execução tem que ser digna de uma cena bem elaborada do mais sangrento filme de terror.

Pilhas de corpos espalhadas pelos corredores, membros esquartejados nos cantos e muitas cabeças decapitadas no local. O chão estava lavado de sangue. Nunca vi nada igual na minha vida. Aqueles corpos e o sangue ainda estão nítidos na minha cabeça. Ainda estou em choque”, foi um ilustrativo depoimento do juiz titular da Vara de Execução Penal do Tribunal Justiça do Amazonas, Luís Carlos Valois.

É temática ao ramo a “explicação” do secretário de Segurança Pública do Acre, Emylson da Silva, logo após uma rebelião, em novembro de 2016, no principal presídio do Estado: "Há dez pessoas dentro de uma cela. Se alguém decide ali que vai executar alguém, fica muito difícil evitar". Elementar…

Esse é o efeito de qualquer resfriado nos presídios nacionais, monumentos de um sistema penitenciário falido, que, parafraseando Caetano Veloso, são o avesso do avesso do avesso do avesso, ou seja, não cumprem um milímetro do que se prestariam a ser para a teleologia da recuperação do delinquente através do instituto da pena.

É uma pena que o país e o cidadão ainda apostem nesse sistema e ainda mandem gente para lá. Enviar apenados aos presídios nacionais é contribuir com o crime organizado, é enviar estagiários, e futuros criminosos formados, ao PCC e ao Comando Vermelho, e ainda pagar, caro, para formar as fileiras destes exércitos do submundo das nossas hipocrisias.

Comentários

  1. No estado do Pará todos os guardas prisionais são biqueiros - contratados temporariamente por Simão jatene - e nesta condição fazem seus pés-de-meia facilitando a entrada de celulares, drogas, armas, etc. Não sei se devido a este descaso administrativo, os problemas ocorrem mais no varejo que no atacado. Toda semana tem fuga.

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  2. Francisco Márcio03/01/2017, 11:52

    O sistema é o avesso do avesso... Mas Dr. Parsifal, qual a solução? Por onde começar? tem jeito?
    Cartas, envie para Dr. Alexandre Moraes ( o boca nervosa ).

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    Respostas
    1. A solução é atacar a causa e trabalhar na mitigação dos efeitos, mas isso custa muito, muito mais que R$ 1,2 bilhão. Além disso, passar vaselina nos efeitos rende mais dinheiro para a atividade meio.
      As causas são sociológicas e tem tudo a haver com desenvolvimento econômico linear e diminuição das desigualdades. A Europa central, os Países Baixos, e principalmente a União Escandinava têm muito a nos ensinar sobre o assunto. Lá, a população carcerária diminui. A Holanda, por exemplo, está fechando presídios por falta de “clientela”.
      Mitigar os efeitos poderia ser uma reforma na legislação penal que tire peso específico maior do encarceramento e privilegie as penas alternativas e multas, pois 60% dos encarcerados não têm periculosidade que aconselhe segrega-los absolutamente.
      Na execução penal, ajudaria dividir os presos pelo nível e quantitativo da pena. No Anísio Jobim, por exemplo, e é regra geral na arquitetura prisional nacional, os presos do regime fechado e semiaberto são separados por um mero portão. Na chacina de domingo, a tropa de execução derrubou o portão e tocou o terror no semiaberto, onde os presos têm menor poder de reação.
      Já fui crédulo e imbecil. Acreditei um dia que produzir monografias e encaminhar aos órgãos competentes como sugestão, acreditando que ao menos a resenha seria lida, poderia ajudar em algo. Fiz mais de 10, depois que comecei a estudar, e vi por dentro, o sistema carcerário nacional. Devem estar todas no lixo.
      O atual ministro da Justiça é algum parto escatológico de algum devaneio paulista de Temer. São Paulo tem muita coisa boa. Temer achou Alexandre em algum sebo jurídico da boca do lixo.

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  3. Imagine você que em todos os órgãos, onde os servidores são concursados as ocorrências de corrupção são iguais ou maiores, o que não significa que o fato dos guardas prisionais serem biqueiros, sejam mais vulneráveis a esse tipo de situação. É mais uma questão cultural.

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