Ugolino della Gherardesca e Marcelo Odebrecht

Na Itália do século XIII, o conde Ugolino della Gherardesca aliou-se ao arcebispo Ruggieri e tomou o comando da cidade de Pisa dos guibelinos.

No poder, Ugolino colocou-se a eliminar prováveis adversários futuros. Ruggieri, temendo que a espada lhe chegasse ao pescoço, usando o poder da Igreja, traquinou contra Ugolino, acusando-o de traição à Pisa em uma negociação com Florença.

Ugolino acabou sendo defenestrado por Ruggieri, que o mandou encerrar em uma torre, mais tarde chamada de “Torre da Fome”, juntamente com os dois filhos e os dois netos. Fechada a torre, Ruggieri determinou que a chave da prisão fosse jogada no Rio Arno. A pena era a fome, até a morte.

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Quando Dante Alighieri escreveu “A Divina Comédia”, descreveu o conde Ugolino cumprindo a danação a que fora condenado: roer o crânio do arcebispo Ruggieri, que todos os dias se regenerava, até “o final dos tempos”. Era Dante aplicando a lei do contrapasso: Ruggieri condenou Ugolino à fome e no inferno lhe servia de alimento eterno.

A narrativa de Dante que “ouviu” de Ugolino a agonia de ver os filhos e netos morrendo de fome na prisão, termina com a sugestão de que o conde, para esticar a vida, alimentou-se dos cadáveres daqueles (“Depois, mais do que a dor, pôde o jejum”). Isso fez surgir, na literatura fantástica da Idade Média, o mito de que Ugolino, de fato, praticara a antropofagia dos próprios filhos e netos, o que não é uma verdade histórica.

O ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, preso há nove meses na carceragem de Curitiba, autorizou quem quisesse, no corpo diretivo da empresa, a fazer delação premiada, mas mantinha-se impávido na disposição de não apelar, ele mesmo, ao instituto, ou seja, houve-se condenado a morrer de fome, sem devorar ninguém.

Mas eis que das paredes da Procuradoria da República ouve-se, desde ontem (7) que Marcelo não resistiu à dor de estômago que a fome impinge e já mostra disposição de prestar depoimento sob delação premiada. É a sentença de Dante fazendo vera: pode mais o jejum do que a dor.

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Se isso lhe vai custar roer o crânio de alguém no nono inferno é tarefa para a morte, o certo é que o dito cujo não quer desprezar a vida na Torre da Fome.

E aí, sussurra-se pelos corredores da força-tarefa, que o sétimo selo se abrirá, pois são tão ruidosas as delações de Marcelo que, pelo que consta naquelas de Delcídio do Amaral, a própria presidente Dilma e o ex-presidente Lula, encarregaram-no de negociar a nomeação do ministro Marcelo Navarro, para o STJ, desde que esse se comprometesse a votar pela liberdade de Odebrecht.

Será que a Lava Jato, assim como a pena de Ugolino, só vai acabar “no final dos tempos”?

Comentários

  1. Parsifal se este neto abrir umas poucas só umas poucas páginas dos arquivos da família...muitos daqueles que hoje posam de bons moços também subirão a torre da fome. Preparemo-nos para desatinadas emoções.

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