Até que a morte nos separe…

O mito da alma gêmea, que alguns creditam à mitologia grega, na verdade foi uma elaboração de Platão em “O Banquete”, onde o filósofo cria várias personagens que, em uma festa, tentam explicar o amor entre dois humanos. Um dos convivas, Aristófanes, deu a definição que atravessou as eras.

vishal

No início o ser humano era hermafrodita: em um único ser, uniam-se o masculino e o feminino. Considerando-se perfeitos, os humanos resolveram tomar o lugar dos deuses.

Antes que tentassem a empreitada, Zeus impingiu-lhes um terrível castigo: dividiu-os em dois, separando o masculino do feminino, e lhes espargiu os corpos separados pela Terra.

E como os lados separados não podiam viver felizes, começaram a incessante busca da “alma gêmea” que lhe fora decepada no Olimpo.

Sempre que vejo um casal que perdura, lembro da imagem aristofanica e acho isso uma beleza, pois é a natureza humana vencendo os seus próprios mitos e voltando à essência que lhe criou um ser uno.

> Paulo Goulart

paulo

Paulo Goulart, falecido na quinta-feira (13), aos 81 anos, embora pertença a uma geração de artistas surgidos na década de 50, não é um personagem desconhecido para a geração atual, pois a sua carreira atravessou os últimos 60 anos com a desenvoltura de um dos mais talentosos artistas nacionais.

Portanto, sem prejuízo de lhe louvar o talento de ator, homenageio o exemplo que ele foi à família brasileira: um dos lados de um casal que, destarte os rebojos que a vida artística espuma, viveu junto por 60 anos.

Paulo Goulart conheceu a atriz Nicette Bruno em 1952, quando ele fazia um teste de ator em uma companhia de teatro de propriedade dela. Naquele teste os dois descobriram que eram o pedaço que faltava no outro. Em 1954 casaram, só voltando ao veredito de Zeus na quinta-feira (13), quando um câncer arrebatou de Nicette a sua outra metade.

casal

Vi Paulo Goulart, pela primeira vez, quando cheguei em Belém, para fazer admissão ao ginásio, em 1969. Ele era o Pierre Saint Clair em “A Cabana do Pai Tomás”, novela da Globo, adaptada do romance homônimo da norte-americana Harriet Stowe, que eu viria a ler apenas no final da década de 70. A novela tinha o ator paraense Sérgio Cardoso como o ator principal.

Depois o acompanhei (eu era um noveleiro juramentado) naquela que reputo a melhor novela já feita no Brasil: “Verão vermelho”, de Dias Gomes, onde Goulart era uma das pontas do triângulo amoroso formado pela maravilhosa Dina Sfat (eu era apaixonado pelos olhos dela) e Jardel Filho.

Em 2000, ou 2001, assistimos, eu e Ann, “Crimes Delicados”, uma peça teatral em que Paulo e Nicette protagonizavam um casal com instintos assassinos.

Mas eu disse que não ia fala do ator...

Paulo Goulart era um homem de bem. Juntamente com a sua esposa Nicette Bruno, constituiu uma família que deve ser exemplo ao Brasil e a todos aqueles que enfrentam dificuldades no casamento.

> Casamentos…

Manter-se casado é o exercício de amor a qualquer preço; é atravessar as tempestades juntos, um buscando força no outro e os dois no sentimento que os uniu e que cimenta a permanência do juramento; é a capacidade de exercer uma constante renúncia e uma diária resignação que a cada dia aproxima-se da unidade que Aristófanes contou em “O Banquete”.

Quando a unidade se estabelece vem a felicidade serena que só pode ser apartada pela morte. E se vem a morte - e ela vem - melhor é esperar outra vida - se é que há - e outra oportunidade de reencontro.

Portanto, mesmo que vivamos entre encontros e desencontros e a praga de Zeus vá sempre estar presente a conspirar contra o amor dos homens, 60 anos de união é uma maravilhosa benção.

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Que a terra seja leve para Goulart; que a perda seja suportável para Nicette.

Comentários

  1. Francisco Marcio16/03/2014, 19:18

    Na atualidade, onde pretende-se divulgar que o casamento é algo ultrapassado, que esposa(o) troca-se como se mercadoria fosse, indubitável o legado deixado pelo ator.
    À propósito o signatário do blog - salvo melhor juízo - parece ser um exemplo longevo no casamento também. Procede?
    Para nao ficar só no social. Segue uma dica de postagem política ( modere o cianureto):
    Peça pro seu "chefe" e faça uma matéria sobre a " rebeldia " do PMDB na Câmara dos Deputados ( sua futura casa. Será?!? Acho pouco provável, sua Excelência nao tem tutano suficiente para mais de 100 mil votos ).
    Francisco Márcio ( sem pseudônimo )

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    1. Como eu disse no outro comentário, "esse ano fazemos 31 anos de casados. Esperamos ter a mesma sorte de Paulo e Nicette e chegar aos 60.".
      Não preciso de autorização de ninguém para escrever, ou falar, o que eu quiser, quando eu desejar e a hora que eu entender, mas o cianureto local ainda não me deixou tempo para tratar da Câmara dos Deputados que, é vero, acho muito pouco provável ser a minha futura Casa, não porque eu não tenha "tutano" suficiente, mas porque eu não tenho a menor intenção de tirar dos ossos mais do que está acumulado na minha "conta política", que é o salário de deputado estadual, que poupo para a campanha, e com esse tutano, de fato, não passo de quarto suplente, mas de repente, sou surpreendido por umas 100 mil pessoas que votem em mim porque sou filho de porco d´água.

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  2. O exemplo de casal vivido por Paulo e Nicete está muito bem descrito em seu texto, entretanto o casal Parsifal e Ann, é tão inspirador e sempre nos faz lembrar da historia que Aristoteles construiu em o Banquete.

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    1. Esse ano fazemos 31 anos de casados. Esperamos ter a mesma sorte de Paulo e Nicette e chegar aos 60.

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  3. Por isso que eu digo: gente inteligente não troca de cônjuge como se troca de roupa íntima, pois precisa ser sábio fazer a escolha da pessoa certa entre tantas opções.

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