Réquiem a Shirley Temple
Os anos 30 foram duros para os EUA: a falência da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, devorou as finanças e a autoestima estadunidense, iniciando o período conhecido como a Grande Depressão.
A derrocada rompeu as fronteiras dos EUA, espargindo-se como o mais longo período de recessão econômica do século XX, só rompido por outro trágico furacão: a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939.
Na terça-feira passada (11) os jornais do mundo noticiaram a morte de uma senhora de 85 anos: de causas naturais, morrera, na tranquilidade do seu lar, a atriz Shirley Temple.
Nascida em 1928, um ano antes do apocalipse financeiro de 29, Temple começou a alegrar os norte-americanos ao 3 anos, dançando.
Em 1935, quando mais da metade dos EUA passava fome, ela alcançou a glória, arrastando multidões para o cinema com o filme “A Mascote do Regimento”.
A partir dali a “menina prodígio” trouxe às telas o que a América deixara de perseguir. Ao ver aquele rostinho angelical a esbanjar felicidade e perspicácia, o norte-americano revigorou-se na busca do que os pais da nação escreveram na Carta de Direitos, ser um direito do cidadão: a busca da felicidade.
A indústria cinematográfica, com Temple, fazia com que uma América, rota com as dificuldades, saísse das salas com o desejo de superação. Foram mais de 10 filmes nos 8 mais severos anos da depressão.
O próprio presidente Roosevelt, que a partir de 1933 comandou os EUA para fora da crise, citava as personagens de Temple em seus pronunciamentos.
Temple foi a prova eventual de que o cinema se presta às mais diversas finalidades: é anteparo e potencializador de tensões sociais, é pura crítica de costumes, é humor transversal (até nas tragédias), é crônica, é prosa e é poesia. É elemento catalisador de superações sociais.
Com filmes que hoje são vistos como meras “sessões da tarde”, Shirley Temple esbanjou esperanças sobre uma América frustrada, em uma época em que o cinema era uma das únicas diversões acessíveis ao trabalhadores que labutavam para colocar ração na mesa.
Quando os EUA reencontraram o passo, Temple não conseguiu sobreviver, pois o seu fado foi exatamente o acerto do passo. Participou de vários filmes como jovem e já madura, misturada, no entanto, à profusão de artistas profissionais que a indústria cinematográfica propiciou em tempos de bonança.
Não que os EUA não lhe tenham reconhecido a importância: a sua contribuição gravou-lhe as mãos na Calçada da Fama e o respeito e influência política que a nação lhe depositava a fez ser nomeada embaixatriz da ONU.
Mas sinto que a grande homenagem à esse verdadeiro álter ego do povo estadunidense em um dos dois momentos mais graves da sua história (a Guerra de Secessão foi o outro), fica faltando um enorme pedaço: à senhora Temple os EUA devem muito mais do que notas de falecimento em jornais.
Fantastico seu post sobre Shirley Temple. Deveria ser enviado para o New York Times. Juntar este aos demais já publicados no blog em livro.
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