O nego tá moiádo de suor…

Terminei de ler “No tempo de Ary Barroso”, que narra a vida de uma das estrelas mais brilhantes da constelação da MPB.

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Aos oito anos (1911) Ary ficou órfão de pai e mãe e foi adotado pela avó materna, que mesclou a sua educação tradicional com estudos musicais.

A facilidade de Ary para a música era enorme: aos 12 anos já ganhava uns trocados tocando piano no Cinema Ideal, em Ubá (MG), sua terra natal. Aos 15 compôs a sua primeira música: o cateretê "De longe".

O falecimento de um tio, Sabino Barroso, que fora ministro da Fazenda, mudou o fado de Ary Barroso quando ele tinha 17 anos: a parte que lhe coube da herança do tio levou-o ao Rio de Janeiro, para estudar direito na Universidade do Rio de Janeiro, onde ingressou, por aprovação no vestibular de 1921.

Meteu-se na boemia carioca e largou o curso de direito no segundo ano. A herança acabou e ele arrumou emprego, como pianista, no Cinema Íris. Dali em diante, a efervescência carioca se encarregou de apresentar-lhe ao Brasil.

Voltou à faculdade em 1926. Em 1930, bacharel em direito, já era consagrado nos musicais de teatro e no final da década de 30 conheceu a glória com o que é a sua mais conhecida composição: “Aquarela do Brasil”, que veio a ser parte da trilha sonora do longa-metragem de Walt Disney, “Você já foi à Bahia?” (1944). Pela trilha sonora desse filme Ary Barroso recebeu o diploma da Academia de Ciências e Arte Cinematográfica de Hollywood.

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Barroso foi um dos mais versáteis compositores nacionais. Compôs choros, xotes, marchas, foxtrotes e sambas. Além de “Aquarela”, são espetaculares os seus sucessos em “Tabuleiro da baiana”, “Os Quindins de Yayá”, “Boneca de piche” e “No rancho fundo”.

Em 1964 faleceu, no Rio de Janeiro, de cirrose hepática, foice comum com a qual a indesejada das gentes levava os artistas das noites cariocas do século passado.

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Ouvi, em uma entrevista de Mario Lago, que um dia estava em casa com um amigo, quando Barroso entrou, com a sua “voz esgarçada e estridente”, dizendo que acabara de escrever uma música e precisava de um piano para completar o talento.

Lago apontou o piano e Ary sentou-se, procurando notas que traduzissem o que ele compusera na cabeça, e cantava, acompanhando o tom: “O nego, tá molhado de suor. A mão do nego tá que é calo só...”.

Enquanto ele batia as teclas com a mão direita, Lago notava que a esquerda trabalhava um tom diverso, nos intervalos das estrofes.

Ao final, Lago e o amigo bateram palmas e Lago sugeriu que Ary deveria dar palavras às batidas da mão esquerda. Ary pensou um pouco, repicou os tons da esquerda umas três vezes e soltou a voz na última batida: “trabáia, trabáia, trabáia nego!”

Isso foi em 1943, e ali composta estava o que, para mim, foi a mais bela composição de Ary Barroso: “Terra Seca”, com a Ângela Maria.

Comentários

  1. Que tocante!
    É uma pena que a nossa juventude tem se esbaldado em rimas como: "...Agora fiquei doce igual caramelo, tô tirando onda de camaro amarelo..."
    Vou mostrar aos meus filhos a beleza dessa letra, voz e melodia.

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